Janeiro 1919 (Granada) A chuva tem um vago segredo de ternura, algo de sonolência resignada e amável, uma música humilde se desperta com ela que faz vibrar a alma adormecida da paisagem. É um beijar azul que recebe a Terra, o mito primitivo que torna a realizar-se. O contato já frio de céu e terra velhos com uma mansidão de entardecer constante. É aurora do fruto. A que nos traz as flores e nos unge do sagrado espírito dos mares. A que derrama vida sobre as sementeiras e na alma tristeza do que não se sabe. A nostalgia terrível de uma vida perdida, o fatal sentimento de ter nascido tarde, ou a ilusão inquieta de uma manhã impossível com a inquietude quase da cor da carne. O amor se desperta no gris de seu ritmo, nosso céu interior tem um triunfo de sangue, mas nosso otimismo converte-se em tristeza ao contemplar as gotas mortas nos cristais. E são as gotas: olhos de infinito que fitam o infinito branco que lhes serviu de mãe. Cada gota de chuva treme no cristal turvo
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