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Mostrando postagens de setembro 27, 2020

Sobre esqueletos esquecidos da História: silêncio e verbalização

Dizem por aí que, mesmo nas melhores famílias, há um esqueleto escondido no armário, trancafiado a sete chaves, condenado ao limbo do esquecimento e do silenciamento. No domínio da literatura, esse assunto-tabu - visto como incômodo a ser evitado ou como herança dolorosa não verbalizada -, constitui um convite ao desvelamento através da palavra e à abertura saudável para que novas gerações não carreguem o peso do que permaneceu cristalizado nos porões da memória. No romance Elle s’appelait Sarah (2007), que deu origem ao filme traduzido no Brasil como A chave de Sara , a escritora francesa Tatiana de Rosnay tira partido dessa imagem para revisitar um dos mais terríveis acontecimentos da história da segunda guerra na França. Trata-se do episódio do Velódromo de inverno, ocorrido em Paris, em 16 e 17 de julho de 1942, quando mais de 13 mil judeus foram confinados nesse espaço pela polícia francesa, antes de serem enviados aos campos de extermínio. Muitos franceses colaboraram com os naz

Marcas de nascença - Nancy Huston

“Um adulto nada mais é do que uma criança que sofreu.” Essa é a principal idéia por trás de Marcas de Nascença, o 11º romance de Nancy Huston, autora canadense radicada na França. Partindo de uma idéia singela e genial, a escritora conta a história de uma família marcada pelo desenraizamento, pelo dilaceramento da guerra e pela busca de identidade. E o faz de uma maneira originalíssima: por meio do olhar infantil, inocente e perspicaz de quatro crianças, numa narrativa que viaja por vários pontos do planeta, começando na Califórnia do ano de 2004 e terminando na Alemanha que, entre 1944 e 1945, está em vias de perder a guerra. Do garoto californiano no início do século XXI à menina alemã dos anos 1940, pouco há em comum além de uma marca de nascença hereditária. Mas, à medida que a narração avança, fica claro que há muito mais a unir os membros de uma família além dos laços meramente sangüíneos... Marcas de Nascença é uma obra polifônica não apenas por ter quatro narradores, mas pela m

A palavra não mora no papel

se percebo uma maçã esta maçã me constitui: o cabo levemente envergado a pele vermelha pintada de sarda sou eu a maçã agora que ela entrou no meu mundo sou eu vermelha arredondada manchada é meu o seu interior amarelado o suco que solta da carne esponjosa as pequenas sementes escondidas em suas costelas sou eu a mesma que decide pegar com as mãos a maçã e sem descascá-la, feri-la com os dentes, ferir-me com os dentes e sentir sobre a língua sua carne meu suco o som de seu desaparecimento a nossa frágil eternidade. sobre a cabeça sempre o mesmo conjunto de estrelas acesas no céu (mesmo quando há nuvens é garantido que estão lá) algumas estrelas já morreram não existem desapareceram e no entanto lá estão elas – cotidianamente – as estrelas mortas que vejo são parte da minha experiência da minha relação com o céu e eu sou elas que não existem mais que estão – no momento em que as vejo – no passado eu sou o seu futuro as estrelas mortas estão na base da minha existência na beira dos meus o