Para o mês das crianças, "Livro Bacana"*
Quando estava na frente da estante, procurando qual livro poderia indicar para este mês das crianças, não tive a menor dúvida de qual deles escolher: Os Colegas, de Lygia Bojunga.
O primeiro livro dessa escritora gaúcha, ganhador de vários prêmios, dentre eles o prêmio Jabuti, é um dos meus livros favoritos da vida. Motivo? Eu só o conheci na fase adulta e ele tocou profundamente a criança que existe em mim.
Essa obra-prima da literatura infantojuvenil brasileira tem como pano de fundo a nossa tradicional e popular festa de Carnaval e o mundo circense. Além disso, as personagens principais são animais, o que dá o tom de fábula para história. Assim, somos apresentados aos cachorrinhos Virinha, Latinha e Flor-de-lis; ao coelho Cara-de-pau e ao urso Voz de Cristal.
Por intermédio da sua descrição física e psicológica, as personagens vão sendo construídas por Bojunga, dentro do universo ficcional. No decorrer da narrativa, o leitor pode vislumbrar as personagens em processo de formação e evolução contínua, por meio de suas falas e ações.
A história começa com Virinha e Latinha, dois cãezinhos que vivem fugindo da carrocinha, brigando por um osso velho. Virinha e Latinha são personagens representadas pela dissociação do substantivo composto “vira-lata”. Ambos mostram a alteridade do homem, a dualidade de seus pensamentos, de suas ações e de seu temperamento. Uma personagem acaba refletindo a outra por meio de suas ideias e atitudes, revelando sua identidade e, paralelamente, suas diferenças. É a criança tentando se descobrir, buscando saber o que é dela e o que é do outro.
Logo em seguida, conhecemos Flor-de-lis, “a cachorrinha de luxo” (BOJUNGA, 2016, p.16) surge correndo, vestindo tecidos nobres, com acessórios de luxo, incluindo uma corrente pendurada no pescoço. Flor lamenta a forma autoritária como é tratada pela sua dona. Por isso, a fuga. Em lugares de dominação do adulto, a criança é marginalizada e inferiorizada, impossibilitada de fazer escolhas.
Mais adiante, somos apresentados ao urso Voz de Cristal. Um animal enorme, mas com a voz fininha e doce que fugiu do jardim zoológico. Fugiu não porque era maltratado. Fugiu com propósito de conhecer o mundo. Novamente, uma fuga. A fuga que revela a curiosidade, uma transgressão às normas, uma atitude emancipadora.
Voltando do circo, o quarteto conhece o coelho Cara-de-Pau. O bichinho ganhou esse nome, pois estava sempre sério e com a cara fechada. Entretanto, a escolha desse apelido escapole ao seu significado tradicional. Normalmente, “cara-de-pau” é um indivíduo descarado, cínico. Porém, as atitudes e falas do coelho Cara-de-pau transmitem certa passividade e insegurança. Cara-de-pau foi abandonado pela família, sofreu uma ação dos familiares. Por não se dar conta que foi deixado, desperta compaixão e recebe apoio e proteção de seus novos colegas e de nós, leitores. Confesso que me derretia lendo as falas e atitudes dele. “- E daí eu fiquei lá esperando toda vida, mas eles não voltaram, não me acharam mais. Eu não saí de lá, quer dizer: eu não me perdi. Eles é que me perderam. ” (BOJUNGA, 2016, P.27)
Esse livro mexeu comigo de muitas maneiras. É uma história que retrata o medo, o abandono, a solidão, a noção de diferença, a fome, a pobreza, a marginalidade e, principalmente, o valor das amizades. Amigos diferentes que buscam serem livres e felizes, que descobrem a força que a união tem quando adquirem consciência do que é coletividade.
Ademais, é um livro que valoriza o trabalho do artista, as manifestações culturais do nosso país e a escola. Uma obra cheia de passagens que fazem a gente sorrir de orelha a orelha, uma leitura fluida, composta por uma linguagem poética e sonora.
É a leitura da literatura infantojuvenil como uma ferramenta de cuidado, de suprir conflitos interiores, de possibilitar o desenvolvimento pessoal, de trocar experiências, sentimentos e valores. Aquele livro que te desperta.
*Referência ao “Samba bacana” escrito pelos Colegas: “Tudo na vida tem jeito, meu compadre/ Só sê inguinorante é que não dá pé/ Num só a gente vive naquele vinagre/ Como só pode fazê o que os outros qué.”
Isa Souza, leitora assídua, apaixonada por livros, louca pela Turma da Mônica e Contos de fadas, mestre em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente, professora da Rede Municipal do Rio de Janeiro, com experiência no ensino de línguas Estrangeiras Modernas. Desenvolve pesquisas em Ensino de Língua, Leitura e Letramento. Criadora do projeto literário”Isa lê” (@isa.le.lit)
Excelente indicação.
ResponderExcluirObrigada ! Outro maravilhoso é "A bolsa amarela". Lindo, lindo!
ExcluirGostei muito da indicação! Fiquei super curiosa para conhecer a história de Virinha e seus amigos! Parabéns pelo post!
ResponderExcluirEssa turminha é uma fofura só! As ilustrações são lindas!
ExcluirAmo Lygia Bojunga e este trabalho faz jus ao livro.
ResponderExcluirObrigada!!! :)
ExcluirQue bela resenha! Amo Lygia e amo "Os colegas"! Realmente, essa uma leitura que desperta. Inclusive, o olhar do professores para com seus estudantes.
ResponderExcluirObrigada! Amo ler essa história para meus alunos!
ExcluirParabéns! Isa Souza descreveu perfeitamente esse livro de Lygia Bojunga. Ótima indicação!
ResponderExcluirObrigada! :)
ExcluirAdorei a resenha, deu vontade de ler!
ResponderExcluirObrigada! Você não vai se arrepender da leitura. Aquele livro que aquece o coração!
ExcluirIsa! Lendo a resenha, deu- me uma enorme vontade de mergulhar ( novamente ...) nesse mundo maravilhoso dos livros juvenis. Ai meus tempos!!!
ResponderExcluirObrigada e... Mergulhe!!! rs
ExcluirA vontade de dar um mergulho de cabeça nesse livro aumentou em 200%
ResponderExcluirParabéns pela indicação e texto!
Obrigada! :)
ExcluirQue indicação perfeita Isa fez para a criança em nós!
ResponderExcluirObrigada! s2
ExcluirLouca para apresentar este livro para minha pequena!! Ótima indicação!��
ResponderExcluirLinda apresentação da história, Isa! Parabéns pela sensibilidade.
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