Cassiana Lima Cardoso
Em Desastrada, forma e conteúdo são dignos de nota. No aspecto formal, a brevidade da narrativa; no plano do conteúdo, a imagem emblemática do rinoceronte. É impossível não lembrar dos “instantes ficcionais” de João Gilberto Noll (1946-2017), em Mínimos, Múltiplos, Comuns (2003), definidos pelo próprio autor como “microcontos poemáticos em que você suspende por agudos momentos o fluxo normal de uma narrativa, a princípio mais extensa e que parece correr pelo livro todo”. A escrita de Cassiana Lima Cardoso é feita de prosa e poesia, hibridismo literário que dialoga com os microcontos poemáticos de Noll e se insere em longa tradição de minimalistas. A escrita breve e poética da escritora é feita de leveza e humor, de imaginação e sonho, de situações do cotidiano não ordinárias, pois acolhem o imprevisível, o inexplicável, e, por que não, o absurdo. A imagem do rinoceronte insinua o que está por vir. Há uma inevitável relação com a peça emblemática do teatro do absurdo O rinoceronte, de Eugène Ionesco (1909- 1994). Se em Ionesco é evidente a destruição da lógica, de Non a O rinoceronte, em Cardoso predomina o sonho, o sono, o inconsciente e o non-sense em eventos do cotidiano nada convencionais, como a “amizade improvável” entre um gato e um rinoceronte, vivenciadas com naturalidade pela narradora, numa quebra surpreendente de expectativa.
Outros aspectos são vívidos em Desastrada: narrativas não tão breves, elogio da imaginação, tempo dos sonhos, memória da infância, intimidade com a natureza, deleite dos caminhos para o desconhecido – “gosto dos caminhos e não preciso, em absoluto, de saber para onde levam” –, caminhos que nos guiam pelo Rio de Janeiro, em especial por Santa Teresa, lembrado com afeto pela narradora, por Petrópolis, marco de uma nova etapa de sua vida, e pelo interior de Minas Gerais. Neste percurso geográfico, há rastros autobiográficos que inspiram um espaço intimista de leitura, tudo muito espontâneo, leve e prazeroso.
Anna Faedrich*
*Fonte : blog Coleção mulherio das Letras
Capa do livro :Márcia Quintela
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