Pular para o conteúdo principal

Minha poesia - José Carlos Limeira


MINHA POESIA

Minha poesia não se presta ao chá das cinco na academia

Prefiro falá-la pelas calçadas, nas paradas de ônibus

Molhada do burburinho da cidade, batuques

Minha poesia se pica pela traseira do coletivo sem pagar

Se esfrega no reggae

Vigiando atenta a cabrocha gostosa cheia de truques

Minha poesia nunca será isenta de paladar



Pode se ligar no HipHop, no toque

Haja vista seus versos aptos à fila do SUS, acordados antes da luz

A serviço do meu povo, contando seus dramas

Minha poesia pode até passar da hora na cama

Na mais pura desobediência aos patrões

E como podemos supor, não tem métrica nem rimas ricas

Podendo ser rica de palavrões

Ela é mesmo um acinte, mas acima das futricas

Jamais será clássica, fugiu da sala de aula bem cedo

Desassombrada e sem medo

Levou porradas nos porões

Já foi censurada, viajou de carona em longos anos de estrada

Minha poesia está a serviço de levantes e revoluções

Libertou-se da mordaça

Deixou de ficar calada

E se um dia não for à luta e de graça

Será toda de minha amada.



JOSÉ CARLOS LIMEIRA (1951-2016)

Nasceu em Salvador Bahia Brasil, no dia 1º. de maio de 1951. Começou a pulblicar contos, artigos, crônicas e poemas nos anos setenta. Teve trabalhos traduzidos em vários idiomas, publicados na Alemanha, USA, Itália, Portugal e França, sendo objeto de teses e dissertações no Brasil e no exterior. 

Organizou com regularidade recitais e coletâneas poéticas, tendo participado do Mercado Cultural Latino Americano, Congresso África Brasil de Literatura, Encontro de Escritores das Américas no Século XXI como escritor de língua portuguesa, em Tulsa-USA. 

Fundou o primeiro Bloco Afro Cultural do Rio de Janeiro o Afro Axé Terê Babá e o GENS (Grupo de Escritores Negros de Salvador). 

Foi membro do Coletivo de Escritores Negros Brasileiros. É citado por críticos e analistas da literatura brasileira produzida por afrodescendentes como um dos mais destacados e engajados escritores.


Para saber mais sobre o autor: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/293-jose-carlos-limeira

Comentários

  1. Limeira traz o dia a dia para a poesia, que não se veste com pompas; sua poesia muito menos fala de coisas distantes, pelo contrário, ela é atemporal, próxima. Obrigado por compartilhar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É sempre bom descobrir novos caminhos, ainda mais quando esse percurso nos leva a algo simples, mas que não deixa de ser profundo.

      Excluir

Postar um comentário

Deixe seu comentário:

Postagens mais visitadas deste blog

"L'enfer, c'est les autres": um convite à leitura da representação do feminino no romance teatral sartreano em tempos pandêmicos [1]

Considerando que a literatura reflete os valores do tempo histórico em que se insere, entendemos que a expressão do teatro traz para o palco a fruição do discurso literário em sua profunda potência. Sob tal perspectiva, temos manifestações desse viés artístico na contemporaneidade dignos de nota. O beijo no asfalto , por exemplo, peça teatral de Nelson Rodrigues, teve mais uma adaptação recente ao cinema (2017), trazendo os bastidores do filme que encenam a peça, numa discussão entre várias vozes, mesmo as mais caladas, visto que o enredo transcorre às vésperas da ditatura militar do Brasil (1960). A temática de gênero, o controle ideológico por parte dos meios de comunicação e a condição humana como questionamentos do viver e do existir tornaram este trabalho mais que uma mera adaptação. Da mesma forma, os elementos há pouco elencados fazem do teatro de Sartre uma profunda fonte de inspiração para as questões relativas ao existencialismo tanto no final do século XX, quanto para a ref...

Os Colegas - Lygia Bojunga

Para o mês das crianças, "Livro Bacana"* Quando estava na frente da estante, procurando qual livro poderia indicar para este mês das crianças, não tive a menor dúvida de qual deles escolher: Os Colegas , de Lygia Bojunga.  O primeiro livro dessa escritora gaúcha, ganhador de vários prêmios, dentre eles o prêmio Jabuti, é um dos meus livros favoritos da vida. Motivo? Eu só o conheci na fase adulta e ele tocou profundamente a criança que existe em mim.  Essa obra-prima da literatura infantojuvenil brasileira tem como pano de fundo a nossa tradicional e popular festa de Carnaval e o mundo circense. Além disso, as personagens principais são animais, o que dá o tom de fábula para história. Assim, somos apresentados aos cachorrinhos Virinha, Latinha e Flor-de-lis; ao coelho Cara-de-pau e ao urso Voz de Cristal.  Por intermédio da sua descrição física e psicológica, as personagens vão sendo construídas por Bojunga, dentro do universo ficcional. No decorrer da narrativa, o leitor...

O encontro com o Pequeno Príncipe e o carneiro dentro da caixa: algumas reflexões sobre o ensino da literatura infantil

  Se você, como eu, é professor(a) ou apenas se interessa pela literatura voltada à infância, te convido a trocar experiências literárias a partir de minhas percepções leitoras sobre a obra O Pequeno Príncipe , de autoria do francês Antoine de Saint-Exupéry.  Não é minha intenção aqui analisar todos os elementos e personagens do livro, mas apresentar apontamentos de um fragmento da narrativa, a fim de refletir sobre as interlocuções existentes entre os acontecimentos narrados e o ensino da leitura literária.  O Pequeno Príncipe narra a história de uma amizade entre um piloto, frustrado com as pessoas que não compreenderam seus desenhos na infância, e um príncipe que habita em um asteroide no espaço. O título original do livro é Le Petit Prince , e foi publicado pela primeira vez em 1943, nos Estados Unidos.  Em certa viagem, o piloto, que é o narrador a história, é obrigado a fazer um pouso emergencial no deserto do Saara, devido a uma pane no motor. Na primeira noi...