Pular para o conteúdo principal

"Eles não vão vencer, baby / Nada há de ser em vão"




“Eu estava adormecida antes, foi assim que deixamos acontecer.
Quando eles massacraram o congresso, nós não acordamos.
Quando eles culparam terroristas e suspenderam a Constituição, também não acordamos.
Eles disseram que seria temporário. Nada muda instantaneamente”
Margareth Atwood

“O Conto de Aia”, romance mais conhecido de Margareth Atwood, autora canadense de grande visibilidade e importância em todo o mundo, é um dos livros mais interessantes que li nos últimos tempos - e olha que não foram poucos! hahahahaha

Trata-se de uma obra que tem como enredo o surgimento de uma sociedade distópica, em que o patriarcalismo é levado às últimas consequências, o que quer dizer que as mulheres perdem os direitos que conquistaram ao longo do tempo, especialmente, por conta do advento do Movimento Feminista.

Aliás, na República de Gilead, as mulheres são divididas em castas e, a elas, cabe exercer papéis pré-determinados por homens, que são os grandes paladinos da moral e da justiça, além de comandar política e socialmente os rumos do país.

O estopim para o surgimento e a criação desse Estado fundamentalista cristão é uma crise de fertilidade que faz com que a maioria dos homens se tornem estéreis, o que acontece por conta das mudanças climáticas, consequência da destruição ambiental imputada ao planeta. Contudo - nada de novo sob o Sol -, a culpa de tal crise recai sobre as mulheres, especialmente, sobre aquelas que escolhe(ra)m não ter filhos ou que são lésbicas.

No entanto, o que os negacionistas de Gilead não sabem é o quanto as mulheres podem resistir às ideologias dominantes e criar, elas mesmas, maneiras de existir que escapem da dominação masculina, mas que vão ao encontro de seus desejos, sonhos, necessidades e vontades.

Na realidade, o livro em questão se tornou um dos mais vendidos por conta da série homônima, baseada em seu enredo, que alcançou números impressionantes de telespectadores e prêmios. Tudo isso graças a um plot intenso e de tirar o fôlego, de atuações irretocáveis e de uma condução da narrativa que deixa o destinatário ansioso para o próximo episódio e para todos os outros que vêm depois.

Enfim, a trama de “O conto de Aia” suscita inúmeras reflexões, entre as quais destaco a ideia de que “Gilead pode ser aqui”, ainda mais se pensarmos que, a cada onze minutos, uma mulher é estuprada no Brasil e, a cada sete horas, uma é morta, vítima de feminicídio. É preciso, portanto, que estejamos sempre atentas e fortes e dispostas a lutar contra a sociedade patriarcal que quer nos dizer o que devemos ser, pensar, sentir, agir e a quem amar. Seguimos na luta!



Camilla Ramalho Duarte, atualmente, é doutoranda do programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal Fluminense e professora de 7º e 8º anos de uma escola particular do Rio de Janeiro. Pesquisa publicidade e propaganda desde o mestrado e é apaixonada pelo universo da leitura.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os Colegas - Lygia Bojunga

Para o mês das crianças, "Livro Bacana"* Quando estava na frente da estante, procurando qual livro poderia indicar para este mês das crianças, não tive a menor dúvida de qual deles escolher: Os Colegas , de Lygia Bojunga.  O primeiro livro dessa escritora gaúcha, ganhador de vários prêmios, dentre eles o prêmio Jabuti, é um dos meus livros favoritos da vida. Motivo? Eu só o conheci na fase adulta e ele tocou profundamente a criança que existe em mim.  Essa obra-prima da literatura infantojuvenil brasileira tem como pano de fundo a nossa tradicional e popular festa de Carnaval e o mundo circense. Além disso, as personagens principais são animais, o que dá o tom de fábula para história. Assim, somos apresentados aos cachorrinhos Virinha, Latinha e Flor-de-lis; ao coelho Cara-de-pau e ao urso Voz de Cristal.  Por intermédio da sua descrição física e psicológica, as personagens vão sendo construídas por Bojunga, dentro do universo ficcional. No decorrer da narrativa, o leitor pod

Às avessas - Joris-Karl Huysmans

Título:  Às avessas Título original:  À rebours  Autor:   Joris-Karl Huysmans Tradutor:  José Paulo Paes Publicação:   03/11/2011 País:  Brasil Editora:  Penguin Companhia Sinopse*: Publicado pela primeira vez em 1884, Às avessas se consagrou de imediato como uma espécie de bíblia do decadentismo. E seu protagonista Des Esseintes passou a figurar desde então — ao lado de D. Quixote, de Madame Bovary, de Tristram Shandy — na galeria dos grandes personagens de ficção. Herói visceralmente baudelairiano pelo refinamento dos seus gostos, pelo seu ódio à mediania burguesa, pelo solitário afastamento em que dela timbrava em viver, pelo esteticismo e pela hiperestesia de que fazia praça, encarnava ele, melhor ainda que o Axel de L’Isle-Adam ou o Igitur de Mallarmé, os ideais de vida e de arte da geração simbolista, geração na qual a modernidade teve os seus mestres reconhecidos. Opinião do convidado ...  Classificação: 😀  "Às Avessas" é uma obra desafiadora e proporciona uma experi

Acerca da Biblioteca de Português da Sorbonne Nouvelle

Para Borges, o paraíso seria uma espécie de biblioteca [1] . Toda vez que penso nessa frase, a Biblioteca de estudos portugueses, brasileiros e da África lusófona, também conhecida como Biblioteca de Português, me vem à mente. Localizada no emblemático Quartier Latin de Paris, no prédio da Sorbonne, abriga um dos maiores acervos sobre os países lusófonos da França [2] . É uma biblioteca com história secular, testemunha do interesse pelos estudos brasileiros na Europa e da intensa troca entre homens de letras e intelectuais dos dois lados do Atlântico. Ela possui nas suas estantes mais de 25000 títulos, divididos em diversas áreas do conhecimento: língua, literatura, civilização, história, geografia, etc. Tive a honra de trabalhar como assistente de biblioteca naquele lugar durante alguns anos do meu doutorado, entre 2015 e 2018. Período que foi marcado por encontros com livros e com pessoas que aguçaram meu espírito e enriqueceram profundamente minha vivência acadêmica. Entre um encon